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OS OUTROS DEUSES DA BÍBLIA: HENRIQUE CALDEIRA – Inteligência Ltda. Podcast #1522 – 07 de maio de 2025

Neste fascinante episódio do Inteligência Ltda., Rogério Vilela recebe o historiador Henrique Caldeira para uma discussão profunda sobre a presença de outros deuses na Bíblia. A conversa, rica em detalhes históricos e culturais, desafia as concepções tradicionais sobre o monoteísmo bíblico e oferece uma nova perspectiva sobre o contexto em que os textos foram escritos. Prepare-se para uma análise instigante que explora a complexidade das crenças antigas e sua influência na formação das religiões modernas.

Os Entrevistados

  • Rogério Vilela: Apresentador do podcast Inteligência Ltda., conhecido por sua abordagem irreverente e curiosidade intelectual. Vilela guia a conversa com perguntas pertinentes e comentários sagazes, garantindo um diálogo acessível e envolvente.
  • Henrique Caldeira: Historiador especializado em história das religiões e criador do canal “Estranha História”. Caldeira oferece uma análise histórica detalhada da Bíblia, explorando o contexto politeísta em que foi escrita e a presença de outros deuses nas narrativas bíblicas. Sua erudição e clareza expositiva tornam o tema acessível mesmo para quem não tem conhecimento prévio sobre o assunto.

Análise Detalhada do Vídeo

A conversa inicia com Vilela apresentando o tema, reconhecendo a aparente contradição de falar sobre “outros deuses” em um contexto bíblico, tradicionalmente associado ao monoteísmo. Caldeira explica que a Bíblia, especialmente o Antigo Testamento, foi escrita em um contexto cultural onde o politeísmo era predominante, e que a menção a outros deuses reflete essa realidade histórica.

O Contexto Politeísta da Bíblia

Henrique Caldeira ressalta que a Bíblia, em sua maior parte, foi produzida em um ambiente politeísta, onde a adoração de múltiplos deuses era a norma. Ele enfatiza a importância de entender esse contexto para interpretar corretamente os textos bíblicos. As pessoas da época viviam em um mundo completamente diferente do nosso, com vestimentas, costumes e formas de comunicação distintas. Essas diferenças culturais impactavam a maneira como viam o mundo e como entendiam a realidade. A Bíblia, portanto, foi escrita para um público específico, com um repertório cultural compartilhado. Para compreender plenamente os textos bíblicos, é necessário reconstruir esse contexto histórico e cultural.

A Leitura Histórica da Bíblia

Caldeira defende a importância da leitura histórica da Bíblia, que envolve a aplicação de métodos históricos para entender o contexto do autor, suas intenções e o público original. Ele enfatiza que essa abordagem difere da leitura teológica ou inspiracional, que busca ensinamentos ou inspiração para o dia a dia. A leitura histórica busca devolver o texto ao seu tempo, considerando as condições sociais, políticas e culturais da época. Isso implica entender a língua em que foi escrita, a geografia dos lugares mencionados e as crenças religiosas do povo. Somente assim é possível decifrar o “iceberg” de informações pressupostas pelos autores bíblicos, que hoje podem parecer obscuras ou contraditórias.

A Influência do Aramaico

A discussão aborda a influência do aramaico, a língua franca da região onde a Bíblia foi escrita. Caldeira explica que o aramaico era amplamente falado na Mesopotâmia, especialmente durante o exílio babilônico, quando os judeus foram deportados para a Babilônia. Essa língua se tornou a língua predominante da região, influenciando a cultura e a religião do povo judeu. O uso do aramaico na época de Jesus, por exemplo, demonstra a importância dessa língua na vida cotidiana e religiosa dos judeus.

Elohim: Deus ou Deuses?

A conversa explora a palavra “Elohim”, que pode ser traduzida tanto como “Deus” quanto como “deuses”. Caldeira explica que a palavra tem uma forma plural, mas era frequentemente usada no singular para se referir ao Deus de Israel. A distinção entre o uso plural e singular de “Elohim” pode ser feita através da análise do verbo na frase. Essa ambiguidade na linguagem original pode gerar confusões na interpretação dos textos bíblicos.

Mitologia e Religião

Caldeira esclarece a diferença entre mitologia e religião, explicando que a mitologia são as histórias e narrativas que fazem parte de uma religião. Ele ressalta que a Bíblia também pode ser considerada mitologia, dependendo da definição utilizada. A mitologia não é necessariamente sinônimo de mentira ou falsidade, mas sim um conjunto de histórias tradicionais que fundamentam os valores e a identidade de um povo. Essas histórias servem como base para as concepções de identidade nacional, valores e práticas de culto.

Ele explica que as histórias tradicionais são passadas de geração em geração e são fundantes para os valores de um povo e para a forma de pensar sobre a relação com o vizinho, como a história de Gameche, Odisseia. Essas histórias podem estar relacionadas a eventos fundadores de uma cidade ou a explicações sobre fenômenos naturais. A caixa de Pandora, o mito de Prometeu, são exemplos de mitos que têm a ver com o culto, com a performance. A história de Prometeu é usada para explicar porque os humanos recebem a melhor parte do boi se os deuses são mais importantes, imortais e bons.

Narrativas Etiológicas na Bíblia

Caldeira destaca a presença de narrativas etiológicas na Bíblia, que são histórias que explicam a causa ou a origem de alguma coisa. Ele cita o exemplo da história de Adão e Eva, que explica a origem do pecado, da dor do parto e da separação entre o homem e Deus. Essas narrativas etiológicas são comuns em diversas culturas e religiões, e servem para justificar a realidade presente através de eventos do passado.

A Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento

A discussão se aprofunda na análise da história do Jardim do Éden, explorando o significado da Árvore da Vida e da Árvore do Conhecimento. Caldeira explica que a Árvore do Conhecimento representa o conhecimento do bem e do mal, que seria o conhecimento de tudo. A Árvore da Vida, por sua vez, representa a imortalidade, uma característica dos deuses. Ao comerem do fruto proibido, Adão e Eva adquirem o conhecimento, mas perdem o acesso à imortalidade. Essa história reflete a busca humana pelo conhecimento e a consciência da mortalidade.

Paralelos com a Epopeia de Gilgamesh

Caldeira traça paralelos entre a história de Adão e Eva e a Epopeia de Gilgamesh, uma antiga narrativa mesopotâmica que aborda temas semelhantes, como a busca pela imortalidade e a relação entre o homem e os deuses. Ele ressalta que a Epopeia de Gilgamesh é um exemplo de como a busca pela imortalidade e o excesso de conhecimento podem gerar angústia e crise existencial.

O Conselho Divino e os Filhos de Deus

A conversa explora o conceito do Conselho Divino, uma assembleia de seres celestiais que auxiliavam Deus na administração do mundo. Caldeira explica que, em algumas passagens bíblicas, esses seres são chamados de “filhos de Deus”. Ele cita o livro de Deuteronômio, que menciona a distribuição das nações entre os “filhos de Deus”. Essa ideia de que cada nação era governada por um ser celestial era comum no antigo Oriente Próximo.

Caldeira cita Primeiro Reis 22:19, explicando que o Deus principal está entronizado junto de vários outros seres que são chamados de exército do céu, sentados à direita e à esquerda dele, e Deus consulta esses caras dizendo quem deles se dispõe a enganar Acabe para que Acabe vá e perca a guerra e morra, e o espiríto vai e engana os profetas de Yahvé. Essa é uma história que faz sentido quando conhece o contexto do antigo oriente próximo.

O Salmo 82 e a Queda dos Deuses

A discussão aborda o Salmo 82, que descreve Deus presidindo uma assembleia de deuses e os julgando por sua injustiça. Caldeira interpreta esse salmo como uma crítica aos deuses que não cumpriam seu papel de proteger os fracos e oprimidos. Ele ressalta que o salmo termina com a declaração de que esses deuses morrerão como homens, perdendo sua divindade. Essa ideia de queda dos deuses é um tema recorrente na literatura enoquiana.

A Religião Praticada e a Religião Esperada

Caldeira enfatiza a importância de distinguir entre a religião praticada pelo povo e a religião esperada pelos autores bíblicos. Ele ressalta que a Bíblia, do ponto de vista histórico, não é um texto unívoco, mas sim uma coleção de textos escritos por diferentes autores em diferentes épocas. Esses autores tinham diferentes visões teológicas e diferentes expectativas em relação à prática religiosa. A religião praticada pelo povo muitas vezes divergia da religião idealizada pelos autores bíblicos.

Baal: O Deus da Tempestade e da Fertilidade

A conversa se volta para a figura de Baal, um dos deuses mais populares do antigo Oriente Próximo. Caldeira explica que Baal era o deus da tempestade, da chuva e da fertilidade, e era adorado por diversos povos, incluindo os cananeus. Ele ressalta que a Bíblia frequentemente condena a adoração de Baal, mas que essa condenação reflete uma disputa religiosa entre os seguidores de Yahvé e os seguidores de Baal.

Caldeira narra a história de Elias e os profetas de Baal, que demonstra o poder de Yahvé e a importância da chuva para a fertilidade do campo. Elias desafia os profetas de Baal a fazerem descer fogo do céu para acender um sacrifício, mas Baal não responde. Elias então invoca Yahvé, que envia fogo do céu e acende o sacrifício, demonstrando seu poder. Esse episódio é um exemplo de como a disputa religiosa entre os seguidores de Yahvé e os seguidores de Baal se manifestava na vida cotidiana do povo.

O Ciclo de Baal e a Seca

A discussão explora o ciclo de Baal, uma narrativa mitológica que explica a alternância entre a seca e a chuva. Caldeira explica que, segundo a mitologia cananeia, Baal morria e ressuscitava, representando a alternância entre a estação seca e a estação chuvosa. Durante a seca, Baal estava morto, e a terra não produzia. Com a volta da chuva, Baal ressuscitava, e a terra voltava a ser fértil. Essa narrativa mitológica estava intimamente ligada ao ciclo agrícola e à vida do povo.

Acherá: A Deusa Mãe

A conversa se volta para a figura de Acherá, uma deusa mãe que era amplamente adorada em Israel e Judá. Caldeira explica que Acherá era associada à fertilidade, à proteção e à prosperidade, e era frequentemente representada por estatuetas encontradas em contextos domésticos. A Bíblia também condena a adoração de Acherá, mas a grande quantidade de estatuetas encontradas demonstra a popularidade dessa deusa entre o povo.

O Deus Bes e a Proteção dos Partos

Caldeira aborda a figura do deus Bes, um deus egípcio que era adorado em Canaã como protetor dos partos. Ele explica que Bes era frequentemente representado com características animalescas e era associado à fertilidade e à proteção das mulheres grávidas. A presença de imagens de Bes em Israel e Judá demonstra a influência da cultura egípcia na região.

Moloque e os Sacrifícios Humanos

A discussão se volta para a figura de Moloque, um deus ao qual eram oferecidos sacrifícios humanos, especialmente de crianças. Caldeira explica que a prática de sacrifícios humanos era comum em diversas culturas antigas, mas que a Bíblia frequentemente condena essa prática. Ele ressalta que há diferentes interpretações sobre a natureza de Moloque, e que alguns estudiosos acreditam que Moloque não era um deus, mas sim um tipo de sacrifício.

Dagon: O Deus Peixe?

Caldeira desmistifica a ideia de que Dagon era um deus peixe, explicando que essa interpretação surgiu de um erro de etimologia. Ele ressalta que Dagon era um deus fenício, pai de Baal, e que não há evidências de que ele fosse associado a peixes. A história da arca da aliança sendo colocada no templo de Dagon demonstra a disputa religiosa entre os seguidores de Yahvé e os seguidores de Dagon.

Apicalo: Os Transmissores do Conhecimento

A conversa explora a figura do Apicalo, um ser mitológico mesopotâmico que transmitia o conhecimento aos humanos. Caldeira explica que os Apicalo eram responsáveis por ensinar a metalurgia, a agricultura e a escrita aos humanos, e que essa figura tem paralelos com o Prometeu da mitologia grega. A ideia de que o conhecimento era originalmente dos deuses e que foi transmitido aos humanos por seres celestiais é um tema recorrente em diversas culturas.

A Demonização dos Deuses Estrangeiros

Caldeira explica como os deuses de outros povos foram demonizados ao longo do tempo, tornando-se figuras malignas na tradição judaico-cristã. Ele ressalta que essa demonização reflete uma mudança teológica que ocorreu ao longo do tempo, com a centralização do culto em Yahvé e a rejeição das outras divindades.

Conclusão

A conversa entre Rogério Vilela e Henrique Caldeira oferece uma perspectiva rica e complexa sobre a presença de outros deuses na Bíblia. Ao explorar o contexto histórico e cultural em que os textos foram escritos, eles desafiam as concepções tradicionais sobre o monoteísmo bíblico e revelam a diversidade de crenças religiosas que coexistiram no antigo Oriente Próximo. A análise detalhada dos diferentes deuses, suas características e seus cultos, permite uma compreensão mais profunda da formação das religiões modernas e da complexa relação entre mito, religião e poder.


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