O cenário da inteligência artificial (IA) está em constante evolução, com novas empresas e tecnologias surgindo a cada dia. No centro dessa transformação, encontramos gigantes como OpenAI e DeepSeek, cada uma com abordagens distintas para o desenvolvimento e a aplicação de IA. Este episódio do Flow Podcast, com a participação de Ronaldo Lemos e Álvaro Machado Dias, mergulha fundo nessa dinâmica, explorando as diferenças entre essas empresas, as implicações geopolíticas da corrida pela IA e o papel do Brasil nesse contexto.
Os Entrevistados
Ronaldo Lemos
Ronaldo Lemos é um renomado especialista em direito digital e tecnologia. Sua trajetória inclui participação ativa na criação e discussão do Marco Civil da Internet, um marco legal que estabeleceu princípios para o uso da internet no Brasil. Sua experiência e conhecimento abrangem temas como propriedade intelectual, privacidade, liberdade de expressão e o impacto das novas tecnologias na sociedade. Lemos é conhecido por sua visão crítica e perspicaz sobre os desafios e oportunidades da era digital, defendendo um uso da tecnologia que promova a inclusão, a inovação e o respeito aos direitos fundamentais.
Álvaro Machado Dias
Álvaro Machado Dias é um neurocientista e pesquisador com vasta experiência em inteligência artificial e suas aplicações. Sua expertise abrange áreas como aprendizado de máquina, visão computacional e processamento de linguagem natural. Dias é conhecido por sua capacidade de traduzir conceitos complexos em linguagem acessível, tornando a IA compreensível para um público mais amplo. Sua participação em diversos eventos e debates sobre o tema o consolidou como uma referência no campo da IA no Brasil.
Análise Detalhada do Vídeo
O vídeo começa com uma breve introdução sobre a Estrela Galícia e ACD, parceiros do Flow Podcast. Em seguida, Igor apresenta os convidados, Ronaldo Lemos e Álvaro Machado Dias, e define o tema central do debate: a comparação entre OpenAI e DeepSeek, bem como as implicações geopolíticas da inteligência artificial.
OpenAI vs. DeepSeek: Modelos e Acessibilidade
Uma das primeiras questões abordadas é a diferença fundamental entre os modelos de IA da OpenAI e da DeepSeek. Ronaldo Lemos explica que a OpenAI oferece seus serviços por meio de canais próprios, como assinaturas ou acesso ao site e aplicativos da empresa. Já a DeepSeek adota uma abordagem diferente, permitindo que os usuários baixem o software e o implementem em seus próprios computadores ou servidores. Essa característica open source da DeepSeek possibilita a customização e o controle da IA, abrindo portas para a criação de soluções personalizadas. Lemos expressa seu entusiasmo pelo modelo aberto, destacando a importância de democratizar o acesso à tecnologia.
A discussão evolui para a possibilidade de uma “guerra fria” entre empresas que dominam o mercado de IA. Álvaro Machado Dias observa que essa guerra já está em curso, com os Estados Unidos banindo a China do desenvolvimento de inteligência artificial. Essa medida restritiva impede a venda de chips, softwares e tecnologias que possam impulsionar o avanço da IA chinesa. Dias ressalta que essa barreira comercial é uma ação drástica, comparável a situações de guerra. No entanto, ele pondera que a medida não tem sido totalmente eficaz, pois os chips da Nvidia, considerados os melhores do mercado, ainda chegam à China, muitas vezes a preços mais altos do que nos Estados Unidos.
Apesar das restrições, a China tem investido no desenvolvimento de seus próprios chips, mesmo que sejam de segunda linha. Esses chips, combinados com os da Nvidia que conseguem driblar o embargo, permitem que os chineses continuem treinando suas IAs, ainda que com menor eficiência. Dias acredita que a China está apenas um ano e meio atrás dos Estados Unidos no desenvolvimento de IA, e que o surgimento da DeepSeek pode acelerar ainda mais esse processo.
Infraestrutura vs. Modelos Alternativos
Ronaldo Lemos compartilha um fato interessante sobre o Fórum Econômico Mundial em Davos, onde a premissa dominante era que a liderança em IA dependia da infraestrutura: quanto mais data centers, água e energia, mais poderosa seria a IA. No entanto, o surgimento da DeepSeek desafiou essa visão, demonstrando que modelos alternativos podem ser eficazes sem a necessidade de uma infraestrutura massiva. Essa revelação causou impacto no mercado, derrubando as ações da Nvidia e de outras empresas de tecnologia nos Estados Unidos.
Álvaro Machado Dias detalha a complexa cadeia logística da produção de chips, destacando a importância de empresas como a holandesa ASML, a alemã Carl Zeiss e uma empresa japonesa especializada em “origami” de chips tridimensionais. Ele observa que o Ocidente possui uma cadeia logística mais diversificada do que a China, mas que o embargo imposto pelos Estados Unidos tem incentivado os chineses a internalizar a produção, desenvolvendo suas próprias tecnologias e reduzindo a dependência de fornecedores externos. Essa internalização, segundo Dias, tem permitido que a China avance no desenvolvimento de IA, apesar das restrições.
O Papel do Brasil na Corrida pela IA
A discussão se volta para o papel do Brasil na corrida pela inteligência artificial. Ronaldo Lemos lamenta a histórica dificuldade do país em aproveitar oportunidades tecnológicas, citando o caso da fábrica estatal de semicondutores Ceitec, que opera com tecnologia obsoleta. Apesar disso, ele defende a manutenção da fábrica, argumentando que é preciso começar de algum lugar e que a jornada para a excelência é incremental. Lemos defende que o Brasil deve ter a ambição de participar da IA em todas as camadas: software, camada intermediária e infraestrutura. Ele critica a postura de “derrota na largada” e defende que o país deve buscar ativamente seu espaço nesse cenário.
Álvaro Machado Dias concorda com a necessidade de o Brasil se posicionar na área de IA, mas expressa uma visão mais pessimista sobre a capacidade do país de competir no mercado de hardware. Ele ressalta a importância de decisões estratégicas e levanta um debate sobre o Projeto de Lei (PL) da Inteligência Artificial no Brasil. Dias critica o PL, argumentando que ele se assemelha ao AI Act europeu, mas com um filtro da Coreia do Norte. Ele questiona a obrigatoriedade de remunerar todos os autores cujas obras foram usadas para treinar modelos de IA, argumentando que essa exigência pode inviabilizar a indústria nacional. Dias também critica a proibição do desenvolvimento de armas autônomas, argumentando que essa medida pode prejudicar a indústria aeroespacial brasileira, especialmente a Embraer.
O AI Act e a Visão Brasileira
Ronaldo Lemos se junta às críticas ao PL da Inteligência Artificial, descrevendo-o como “muito ruim”. Ele critica a origem da lei, que foi elaborada por uma comissão de advogados, e a falta de consulta à sociedade civil. Lemos argumenta que o Brasil deveria construir uma lei brasileira de IA, em vez de copiar o modelo europeu. Ele critica a falta de incentivo à indústria nacional e a imposição de regras excessivas, que podem prejudicar o desenvolvimento da IA no país.
A discussão se aprofunda nas motivações por trás da criação de uma lei tão restritiva. Dias sugere que o desejo de ser “pai da criança” e a influência de grupos de interesse podem ter contribuído para o resultado final. Lemos acrescenta que o projeto de lei parte de uma visão de que o Brasil é uma vítima da inteligência artificial, em vez de um protagonista. Ele defende que o Brasil precisa de um projeto que jogue no ataque, em vez de apenas se defender.
Lemos expressa sua crença de que o Brasil tem plenas condições de jogar no ataque, citando o potencial do país em áreas como software livre e energia renovável. Ele defende que o Brasil deveria apostar em inteligência artificial no modelo aberto open source, retomando a liderança que exerceu no movimento de software livre nos anos 2000. Dias concorda com a visão de Lemos, mas mantém seu pessimismo sobre a capacidade do Brasil de implementar essa estratégia.
O Futuro da IA e o Papel da China
A conversa se encaminha para o futuro da IA e o papel da China nesse cenário. Álvaro Machado Dias questiona a visão de Trump sobre a política, apesar de reconhecer sua capacidade de vencer eleições. Ele critica os cortes de custos na estrutura do Estado, argumentando que esse é o momento de investir em áreas estratégicas como a inteligência artificial. Dias pondera sobre a possibilidade de usar a IA para preencher os buracos deixados pelas demissões, mas reconhece que essa é uma medida complexa e que requer muita especificidade e treinamento.
Ronaldo Lemos defende o uso de tecnologia no poder público, argumentando que todo governo precisa se transformar em uma plataforma digital. Ele cita o trabalho de Thiago Peixoto, especialista do Banco Mundial, que propõe a democratização do “despachante” por meio de uma IA que resolva os problemas burocráticos dos cidadãos. Lemos destaca o caso do robô Serenata de Amor, que analisava o orçamento público de Brasília e denunciava desvios, como um exemplo de inteligência artificial para controle social da administração pública.
A discussão se volta para exemplos de países que estão avançando no uso de IA no governo, como Estônia e Índia. Lemos observa que a Índia está apostando em IA local para digitalizar seus serviços públicos, em contraste com o Brasil, que parece estar sendo derrotado antes mesmo de o jogo começar. Dias pondera sobre o futuro geopolítico da IA, questionando se o mundo caminha para uma nova guerra fria entre China e Estados Unidos. Ele acredita que a globalização está em declínio e que os Estados Unidos estão se afastando de uma lógica que une todas as “conchinhas do mundo”. Dias argumenta que a China tem se beneficiado da globalização e que não tem interesse em confrontar os Estados Unidos. Ele prevê um futuro multipolar, com vários estados conectores desempenhando papéis estratégicos.
Lemos observa que a China tem se beneficiado da globalização e que não tem interesse em confrontar os Estados Unidos. Ele prevê um futuro multipolar, com vários estados conectores desempenhando papéis estratégicos. Dias, por sua vez, é mais pessimista em relação ao Brasil, acreditando que o país se tornará cada vez mais irrelevante devido a decisões ruins. Lemos, no entanto, mantém sua visão otimista, defendendo que o Brasil pode ter um papel fundamental na inteligência artificial, especialmente no contexto de um mundo em que o emprego desaparece. Ele argumenta que o brasileiro é mestre em utilizar o tempo livre e que pode ensinar o mundo a ser feliz sem trabalho.
Desafios e Incertezas da IA
Álvaro Machado Dias apresenta um contraponto à visão otimista de Lemos, questionando se a inteligência artificial geral (AGI) realmente surgirá em cinco anos. Ele observa que, apesar dos avanços recentes em IA, ainda há desafios significativos a serem superados, como a criação de vídeos que emulem perfeitamente a realidade. Dias cita o trabalho de Yann LeCun, da Meta, que argumenta que os modelos de IA atuais estão muito longe de alcançar a eficiência do cérebro humano. Dias acredita que o mundo caminha para uma transição em relação à arquitetura dominante, e que os prazos para o desenvolvimento da AGI não são tão otimistas quanto se imagina. Ele argumenta que o mundo caminha para uma transição em relação a uma outra arquitetura dominante que agora é Transformer.
Lemos concorda que há incertezas e desafios, mas ressalta que a IA já está aumentando a produtividade e gerando vantagens competitivas. Ele observa que a desigualdade pode aumentar, mas que o investimento em educação pode mitigar esse efeito. Lemos defende que o Brasil tem que participar ativamente da revolução da IA e se preparar para um futuro em que o trabalho pode não ser mais central na vida das pessoas. Lemos defende que a questão das habilidades necessárias para o trabalho estão mudando muito rapidamente, e que as pessoas tem que se adequar a isso.
Direitos Autorais e a Inteligência Artificial
A discussão se volta para a questão dos direitos autorais e a inteligência artificial. Lemos explica que a lei de direito autoral não protege o estilo, mas sim a materialização da obra. Ele observa que há um debate em curso sobre se obras autorais podem ser usadas para treinar IAs, e que diferentes países estão adotando diferentes abordagens. Dias observa que há um debate em curso sobre se obras autorais podem ser usadas para treinar IAs, e que diferentes países estão adotando diferentes abordagens e se os mesmo estão ferindo ou não os direitos dos autores dessas obras utilizadas para a criação de IAs e sistemas de inteligência artifical.
Lemos observa que há um debate em curso sobre se obras autorais podem ser usadas para treinar IAs, e que diferentes países estão adotando diferentes abordagens. Ele argumenta que o Brasil quer tomar uma posição, mas que a lei de IA resolve isso e faz o oposto do Japão. O AI Act não trata da questão dos direitos autorais, deixando essa questão em aberto para outras leis, o que é mais semelhante à abordagem japonesa. Lemos argumenta que essa divergência pode gerar conflitos comerciais e até mesmo uma “terceira guerra mundial” no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Dias inventou uma metodologia para avaliar a sobreposição entre rótulos e determinar se há conflito de identidade. Ele propõe o uso de equações matemáticas para descrever objetos visuais e comparar suas semelhanças. Dias argumenta que essa metodologia pode ser aplicada à análise de filmes e desenhos animados, permitindo que se determine se há plágio de estilo. É citado um comentário sobre um exemplo a questão de um restaurante do Harry Potter num num shopping, onde se questionou a legalidade do uso das características da marca.
O vídeo se encerra com os convidados respondendo a perguntas do público e divulgando seus trabalhos. Ronaldo Lemos convida a todos a procurá-lo no Google e a segui-lo em suas redes sociais. Álvaro Machado Dias convida a todos a segui-lo no Instagram e no LinkedIn, e a assistir ao programa Expresso Futuro no Canal Futura e no Globaloplay. Ambos agradecem a oportunidade de participar do Flow Podcast e se despedem do público.
Conclusão
O episódio do Flow Podcast com Ronaldo Lemos e Álvaro Machado Dias oferece uma análise abrangente e perspicaz sobre o cenário da inteligência artificial. A discussão aborda as diferenças entre OpenAI e DeepSeek, as implicações geopolíticas da corrida pela IA, o papel do Brasil nesse contexto e os desafios éticos e legais que surgem com o avanço da tecnologia. Os convidados apresentam visões contrastantes, mas complementares, sobre o futuro da IA, estimulando a reflexão e o debate sobre um tema que é cada vez mais relevante para a sociedade.
A análise de Lemos e Dias revela a complexidade da inteligência artificial e a necessidade de uma abordagem estratégica e consciente para aproveitar seus benefícios e mitigar seus riscos. O vídeo destaca a importância de democratizar o acesso à tecnologia, de investir em educação e de promover um debate público sobre as implicações da IA. Ao final, fica claro que o futuro da inteligência artificial está em aberto e que o Brasil tem a oportunidade de moldar esse futuro de forma positiva, desde que tome as decisões certas e adote uma postura proativa.