O podcast Inteligência Ltda. recebeu Rodrigo Pimentel, ex-policial do BOPE e consultor de segurança, e Joel Paviotti, do canal Econografia da História, para discutir um tema crucial e muitas vezes negligenciado: o contrabando e o crime organizado no Brasil. A conversa abordou desde as rotas de contrabando mais utilizadas até a participação das facções criminosas no comércio ilegal de cigarros e vapes, revelando um cenário alarmante que impacta diretamente a segurança pública e a economia do país.
Conheça os Entrevistados
Rodrigo Pimentel
Rodrigo Pimentel é um ex-oficial do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Sua experiência no combate ao crime em uma das áreas mais desafiadoras do Brasil o tornou um especialista em segurança pública e crime organizado. Pimentel é conhecido por sua participação na criação do filme “Tropa de Elite”, que retrata a realidade do BOPE e a luta contra o tráfico de drogas nas favelas cariocas. Atualmente, ele atua como consultor de segurança, palestrante e comentarista, compartilhando seu conhecimento e experiência para contribuir com o debate sobre segurança pública no Brasil.
Sua visão pragmática e conhecimento do terreno o credenciam para analisar a fundo as dinâmicas do crime organizado, oferecendo insights valiosos sobre as estratégias de combate e prevenção.
Joel Paviotti
Joel Paviotti é o criador do canal “Econografia da História”, um espaço dedicado à análise histórica do crime organizado, criminalidade e segurança pública. Com uma abordagem didática e aprofundada, Paviotti explora as raízes históricas das organizações criminosas, suas estruturas, estratégias e impactos na sociedade. Seu trabalho busca fornecer um panorama completo e contextualizado do fenômeno do crime, incentivando o debate e a reflexão sobre as políticas de segurança pública.
A expertise de Paviotti em história do crime organizado permite uma análise mais abrangente das rotas de contrabando, da evolução das facções criminosas e das complexas relações entre crime, economia e poder.
Análise Detalhada do Vídeo
A Ascensão do Contrabando de Cigarro e Vapes
O ponto de partida da discussão foi a constatação de que o cigarro é o produto mais contrabandeado no Brasil, superando até mesmo a cocaína e a maconha. Joel Paviotti apresentou dados estatísticos que comprovam essa realidade, revelando que o cigarro representa 73% do contrabando no país. Essa informação surpreende, pois demonstra a dimensão do mercado ilegal de cigarros e sua relevância para as organizações criminosas.
A principal razão para o alto índice de contrabando de cigarros é a diferença de impostos entre o Brasil e o Paraguai. Enquanto no Brasil a carga tributária sobre o cigarro chega a 90%, no Paraguai varia de 13% a 20%. Essa disparidade torna o contrabando extremamente lucrativo, incentivando a produção de cigarros de baixa qualidade no Paraguai e sua posterior distribuição ilegal no Brasil.
Além do cigarro, o contrabando de vapes (cigarros eletrônicos) também tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Paviotti revelou que as apreensões de vapes aumentaram drasticamente, impulsionadas pela facilidade de compra e venda online e pela percepção de que são menos prejudiciais à saúde do que os cigarros tradicionais. No entanto, os vapes contrabandeados geralmente não passam por nenhum tipo de controle de qualidade, representando um risco ainda maior para os consumidores.
Rotas de Contrabando e a Atuação das Facções Criminosas
O vídeo detalhou as principais rotas de contrabando utilizadas para a entrada de cigarros e vapes no Brasil. A chamada “rota caipira” parte do Paraguai, atravessa o Mato Grosso do Sul e o Paraná, chegando até o porto de Santos, de onde a mercadoria é distribuída para todo o país. Outra rota importante é a “rota Solimões”, que utiliza os rios Negro e Solimões para abastecer o Norte e o Nordeste do Brasil.
Rodrigo Pimentel destacou a crescente participação das facções criminosas no controle dessas rotas de contrabando. Ele relatou casos em que menores de idade são explorados para a venda de vapes em áreas nobres do Rio de Janeiro, sendo obrigados a pagar taxas para o Comando Vermelho. Pimentel ressaltou que a maior apreensão de vapes no Rio de Janeiro foi realizada em uma favela dominada pelo Comando Vermelho, evidenciando o controle da facção sobre esse mercado ilegal.
Ainda segundo Pimentel, o cigarro paraguaio e o vape se tornaram os principais produtos de financiamento das facções criminosas, superando até mesmo a maconha e a cocaína. Isso ocorre porque o contrabando desses produtos é mais fácil de transportar e distribuir, além de gerar lucros significativos com a venda a preços mais acessíveis.
Joel Paviotti complementou a análise, afirmando que as facções criminosas impõem um verdadeiro “domínio territorial” nas áreas onde atuam. Elas controlam a venda de cigarros, vapes, botijões de gás e até mesmo o acesso à internet, cobrando taxas da população e impedindo a concorrência legal. Essa situação impede o desenvolvimento econômico das periferias e prejudica a vida dos moradores, que são obrigados a dividir seus recursos com o crime organizado.
A Ineficácia das Políticas Públicas e a Urgência de Mudanças
Os entrevistados criticaram a ineficácia das políticas públicas de combate ao contrabando e ao crime organizado. Pimentel lamentou que as autoridades brasileiras estejam mais preocupadas em punir o tráfico de cocaína do que em combater o contrabando de cigarros e vapes, que representam uma ameaça ainda maior para a segurança pública.
Paviotti ressaltou que a legislação brasileira sobre o tema é confusa e ambígua, gerando dúvidas na sociedade e nas próprias forças policiais. Ele defendeu a necessidade de uma regulamentação clara e eficaz para o comércio de cigarros e vapes, com o objetivo de combater o contrabando, proteger a saúde dos consumidores e aumentar a arrecadação de impostos.
Ambos os entrevistados concordaram que a solução para o problema passa por uma ação conjunta do governo federal, dos governos estaduais e das prefeituras, com o envolvimento de diferentes órgãos e instituições. É preciso investir em inteligência policial, fiscalização nas fronteiras, repressão ao crime organizado e, principalmente, em políticas de prevenção e conscientização da população.
O Caso da Bahia e a Expansão das Facções Criminosas
A discussão também abordou a situação alarmante da Bahia, onde as facções criminosas têm expandido seu domínio territorial e imposto um clima de terror à população. Pimentel relatou que famílias estão sendo expulsas de suas casas, comerciantes são extorquidos e o acesso à internet é controlado pelas facções. Ele alertou que a Bahia pode se tornar o próximo “laboratório” do crime organizado no Brasil, caso não sejam tomadas medidas urgentes para combater a violência e a criminalidade.
Paviotti complementou a análise, afirmando que a Bahia possui uma dezena de facções criminosas, muitas delas filiadas ao Comando Vermelho e ao PCC. Ele ressaltou que a polícia baiana, apesar de combativa, não tem conseguido conter o avanço do crime organizado, que se beneficia da fragilidade das instituições e da falta de oportunidades para a população.
A Importância da Percepção de Segurança e o Impacto na Sociedade
Os entrevistados destacaram a importância da percepção de segurança para a qualidade de vida da população. Pimentel relatou casos de crianças que vivem em áreas de conflito e sofrem de problemas psicológicos, como medo, ansiedade e dificuldades de aprendizado. Ele ressaltou que a falta de segurança pública impede o desenvolvimento social e econômico das comunidades, perpetuando um ciclo de violência e pobreza.
Paviotti complementou a análise, afirmando que a segurança pública não se resume a números e estatísticas. É preciso levar em consideração a sensação de segurança da população, que é influenciada por fatores como a presença de policiais nas ruas, a iluminação pública, a qualidade dos serviços públicos e a confiança nas instituições.
Nesse sentido, os entrevistados defenderam a necessidade de um debate mais amplo e aprofundado sobre segurança pública, com a participação de diferentes setores da sociedade e o envolvimento de especialistas em diversas áreas. É preciso superar as visões simplistas e polarizadas e buscar soluções inovadoras e eficazes para combater o crime organizado e garantir a segurança e o bem-estar da população.
Conclusão
A conversa entre Rodrigo Pimentel e Joel Paviotti no Inteligência Ltda. revelou um panorama preocupante sobre o contrabando e o crime organizado no Brasil. O cigarro e o vape se tornaram os principais produtos de financiamento das facções criminosas, que impõem um domínio territorial nas áreas onde atuam e prejudicam a vida da população. A ineficácia das políticas públicas e a falta de uma regulamentação clara e eficaz para o comércio de cigarros e vapes contribuem para a perpetuação desse cenário alarmante.
Para combater o crime organizado e garantir a segurança pública, é preciso uma ação conjunta do governo federal, dos governos estaduais e das prefeituras, com o envolvimento de diferentes órgãos e instituições. É necessário investir em inteligência policial, fiscalização nas fronteiras, repressão ao crime organizado e, principalmente, em políticas de prevenção e conscientização da população.
Além disso, é fundamental promover um debate mais amplo e aprofundado sobre segurança pública, com a participação de diferentes setores da sociedade e o envolvimento de especialistas em diversas áreas. É preciso superar as visões simplistas e polarizadas e buscar soluções inovadoras e eficazes para combater o crime organizado e garantir a segurança e o bem-estar da população. A regulamentação de produtos como cigarros e vapes, a revisão de políticas de tributação e a aplicação rigorosa da lei são medidas urgentes para desestruturar financeiramente as organizações criminosas e devolver o controle do território ao Estado.